quinta-feira, 19 de junho de 2025

UM PROBLEMA ÉTICO DE PRIMEIRA GRANDEZA E DE ESCALA GLOBAL - 1

Está disponível na RTP Play o documentário Young Addictions, que foi dirigido por Alejandra Andrade e Tomás Ocaña, e escrito por Mónica Palomero. Nele recolhi mais uma contribuição, a somar a outras que disponibilizei aqui e aqui, para ilustrar um problema ético de primeira grandeza e de escala global para o qual continuamos cegos, incluindo aqueles de nós que têm responsabilidades educativas.

Refiro-me às estratégias das grandes empresas tecnológicas para tornar os jovens e, mais recentemente, as crianças dependentes dos ecrãs, ao mesmo tempo que os seus donos e funcionários colocam os seus filhos em escolas onde eles não entram.

Essas escolas, cuja imagem de marca é a pedagogia Waldorf, encaixam na ideia comum de escola tradicional e para pobres: salas de aulas convencionais com as mesas dos alunos viradas para a secretária do professor e para o quadro de giz; livros, papel, lápis e outros recursos que se podem manusear; espaço exterior de terra e verde; experimentação de ofícios e artes manuais. 

Mas não é só a escola que veda o acesso a ecrãs, também as amas têm de o fazer.

Mais recentemente, a China limitou dentro de portas, para a sua populaçáo o uso de uma rede social que criou, incentivando-a fora.

Passo a palavra a alguns dos intervenientes que participaram no documentário

Pierre Laurent (Diretor da Escola Waldorf - Silicon Valley, Califórnia). Este campus está localizado ao funda da rua da Google (…). O Facebook fica a cerca de 10 minutos de distância, A Microsoft a outros cinco minutos e a Apple a 15 minutos. Estamos no coração das grandes empresas de tecnologia. Cerca de 75% dos nossos alunos vêm de uma família em que pelo menos um dos pais trabalha no setor da alta tecnologia. Até aos onze anos de idade, não usamos ecrãs digitais, telemóveis ou computadores. Os alunos não os trazem, nem estão autorizados a tê-los no campus. Dos 11 aos 14 anos podem ter os aparelhos desligados na mochila mas não os utilizam na escola. A partir dos 14 anos podem utilizar alguns computadores, desde que seja de forma produtiva, embora os telemóveis permaneçam nos cacifos durante todo o dia.
 
Sohe (Aluno da Escola Waldorf). No 7.º ano, quando recebi o meu primeiro telemóvel, tinha 14 anos e era um flip phone, só para telefonar às pessoas (…). Não vejo qualquer utilidade nas redes sociais. Por vezes parece que ficamos um pouco de fora, mas consigo abstrair-me do meu telemóvel

Maia (Aluna da Escola Waldorf). Bem, primeiro comecei por não ter redes sociais para além do Instagram, porque os meus pais me proibiam de o fazer (…). Até hoje, acho-as praticamente inúteis. Posso ficar sem telemóvel durante várias semanas ou meses, sendo que o único problema seria a comunicação com os meus pais ou ir a algum lado que precisasse de utilizar o GPS
Em 2017 enquanto os gurus da tecnologia admitiram proibir as crianças de usar ecrãs, doaram 300 milhões de dólares à Administração Trump para equipar tecnologicamente as escolas New York Times
Robin LeGrand (Diretora da Nanny Connection). Ganhei protagonismo graças aos trabalhadores tecnológicos de Silicon Valley. Eles tendem a ser muito restritivos relativamente aos dispositivos tecnológicos, tanto que no contrato que fazem com a ama há sempre uma cláusula restritiva (…). Estão mais preocupados porque conhecem as coisas viciantes que acompanham os dispositivos. Têm câmaras em casa para poder vigiar tudo, o que também consta no contrato (…). Considero controverso que os funcionários da indústria tecnológica não permitam que os seus filhos usem os dispositivos que desenvolveram. Se sabem que o uso pode ter consequências para os filhos, porque é que estão a desenvolver estas aplicações e dispositivos?

Martha Domínguez (Cuidadora). Assinámos um contrato. Não querem que as crianças utilizem tablets. Não querem que empreste o meu telemóvel às crianças. Dizem que é proibido para os seus filhos, porque não querem que eles fiquem viciados nos tablets. [Somos] muito vigiadas. Existe mesmo uma aplicação para todos os que vivem aqui, chama-se “Neighbours” (…). Tive uma entrevista com uma família Google. A casa deles estava cheia de câmaras (…) os seus cinco filhos foram proibidos de utilizar tablets. Eu disse: “mas se eles trabalham para a Google, porque não ensinam o mesmo aos seus filhos?”

Senado dos EUA, 5 de Outubro de 2021. Chamo-me Frances Haugen. Trabalhava no Facebook. Acredito que os produtos do Facebook prejudicam as crianças, dividem as pessoas e enfraquecem a nossa democracia. A liderança da empresa sabe tornar o Facebook e o Instagram mais seguros, mas não fará as mudanças necessárias porque colocou os seus lucros astronómicos à frente das pessoas. Tenho trabalhado em quatro tipos diferentes de redes sociais, compreendo as complexidades e as nuances destes problemas (…). Pelos nossos filhos, pela nossa segurança pública, pela nossa privacidade e pela nossa democracia

Rob Bonta (Procurador-Geral do Estado da Califórnia) (...). A China impõe restrições à utilização que as crianças chinesas fazem do Tiktok mas estas não estão a ser aplicadas no resto do mundo. Interessa-me saber que razões existem para tal.

4 comentários:

Mário R. Gonçalves disse...

Quer isto dizer que há um complot mundial para criar uma élite de ricos 'não-dependentes', de espírito 'livre', e uma massa humana de débeis mentais dependentes? Que conspiração tão maquiavélica, monstruosa. Não será visão de apocalipse programado excessiva? Acredito bem mais que tudo esteja deixado ao caos, ao salve-se quem puder, os que podem tentam salvar-se, os coitados deixam-se perder. Náo foi esta a História da Humanidade?

Anónimo disse...

Forçar crianças, adolescentes, jovens e adultos a tornarem-se doentes mentais por dependência excessiva de telemóveis, computadores e redes sociais é criminoso, como, noutro contexto, criminosas foram as "guerras do ópio" que, em meados do século XIX, a civilizada e rica Inglaterra impôs à não menos civilizada, mas muito mais pobre China, porque o imperador se opôs à importação ilegal e consumo de ópio, muito lucrativos para os ingleses, e destrutivos para milhões de drogados chineses. O mundo dá muitas voltas!
Agora são os norte-americanos e os chineses, que já têm muito dinheiro, que querem drogar eletronicamente o resto do mundo. No caso das guerras do ópio os chineses perderam. Parece não haver esperança para o mundo. As redes sociais são muito lucrativas para os seus proprietários. O dinheiro continua a fazer girar o mundo!

Rui leprechaun disse...

As escolas Waldorf, bem como as Montessori, já existem há mais de um século e, embora se possam considerar marginais no conjunto da educação infantojuvenil global, estão bem representadas em muitos países, incluindo Portugal.
No que se refere à questão da introdução à tecnologia dos ecrãs na infância, parece evidente que Waldorf e Montessori - bem como outros métodos educativos menos massificados e mais focados no desenvolvimento integral do ser humano - são muito seletivos e mais rigorosos do que a educação pública convencional. Contudo, é de notar que as escolas de comunidades religiosas minoritárias e fundamentalistas - Amish, Hare Krishna... - também ignoram a tecnologia digital como meio de ensino.
De resto, eu diria que, quase por definição, tudo o que é público é aquilo que o "público" quer ou é condicionado a querer. E quem é que não quer "pão e circo" ou "redes sociais" e outras mosernas diversões que tais?
Numa apreciação final, e como este site também inclui um filósofo e uma pedagoga, é tudo uma questão de filosofia e pedagogia de vida, bem expressa no título do livro de Krishnamurti - cuja Fundação possui igualmente escolas "diferentes" - dirigido sobre tudo aos jovens, "What Are You Doing With Your Life?"
Responsabilidade pessoal e social com consciência individual e global... eis a resposta final!

Unknown disse...

Começar por não meter écrans nas mãos de crianças que ainda nem falar sabem não é difícil. Decidir que os miúdos não terão um telefone portátil senão aos 10/11 anos, e mesmo nessa altura, um telefone de teclas, que apenas sirva para telefonar e mandar mensagens, não é difícil. Limitar o tempo de écran a partir dos 12/13 anos, também não é difícil. Tudo isto são coisas que qualquer um de nós pode fazer. Não faz quem não quer. São coisas que não custam dinheiro.

OS "ESTUDOS" COMO CONDIÇÃO E FORÇA DE DECISÕES POLÍTICAS

"Temos de usar evidência (informação científica), temos de usar os estudos [...] Depois da avaliação e com a evidência que se vai soman...

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